quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Os sons da minha terra

Na minha terra, não se ouvem carros, nem aviões, nem vizinhos a discutir, nem música de elevador. Mas na minha terra ouvem-se muitos outros sons que chegam a enfastiar-me tanto como os sons da cidade, porque é natural do ser humano crescer contra o ambiente que o rodeia. Na minha terra, dizia eu, há uma cabra que chora e se confunde com um bebé abandonado nas silvas, há o tractor do senhor Faulkner que, por estes dias, investe contra a terra barrenta com violência e traz ao de cima uma cor que já tínhamos esquecido - um castanho férreo que só existe por um par de dias para logo ficar verde de azevém. Na minha terra, há sons de patos, perus e fracas, há um ou outro porco que também parece um bebé a grunhir - aliás, nesta terra a que pertenço, todos os sons se assemelham aos primórdios. E há os pássaros e as gralhas e as cigarras pela noite, e um coro de sapos que está além, junto do charco, mas parece invadir o alpendre e mandar nas nossas vidas. Na minha terra, há um coro de cães que parece uma matilha de lobos e nos faz ter medo de ir à janela sem a segurança de um xaile em volta do corpo. Uma mulher de xaile pode combater qualquer matilha furibunda, porque tem em si a tradição secular. Mas a minha terra não parou no tempo. Há dias em que caças sobrevoam os céus e nos fazem pensar que vêm aí os alemães. Ou helicópteros que vigiam os fogos e as queimadas. Na minha terra, os pássaros chilreiam. E o que há de novo nisso? É que estes chilreiam mesmo: chi, ri, chi, ri. Não há instrumento que os amarre e condense. Na minha terra, o vento tem som, e o sol também se verbaliza no zumbir das abelhas, e a noite... A noite é uma orquestra de sons manobradas pelas estrelas que parecem beijar-nos sem que possamos ser esguios. A minha terra tem tantos sons que ouvir o silêncio é algo só possível na cidade, onde o som abafa a vida.

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