domingo, 3 de novembro de 2013
Contabilidade
Enquanto te oiço ronronar, e uso as tuas unhas para limpar as minhas, já a madrugada vai alta, exercito um balanço da vida, é a única altura do dia em que estamos sós para fazer as contas do deve e do haver. Sabes como preciso de silêncio para somar um mais um, há qualquer coisa de solene na ciência que ultrapassa a bata e os procedimentos. Resvalam os cantos da boca para baixo. Não há nada de bom que nos fique na bagagem, como uma bateria extra num momento de aflição. O que é mau permanece e remói; o que é bom esgota-se na sua própria evocação - tanto epicurismo para tão avançada hora. A melga que sobrevoa o ouvido direito, indiferente à frieza da noite e ao capuz que tenho vestido porque a idade não perdoa e o lume morre sem anunciar. O que tenho hoje aqui, o meu saldo, resume-se à tua pata dada com a minha, ao silêncio desta imensidão pontuado pelo balir de uma cabra que chora, o último braseiro antes de adormecermos, os dois, entre a lista sempre inacabada do deve e do haver.
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