Neste momento que agora vivo, neste preciso momento, oito e seis minutos da noite, não me basta a beleza essencial das coisas. A casa enorme está em silêncio, há a escuridão e um fogo que me arde nos pés e no coração. Para que serve a essência das coisas se não temos o olhar apurado para as ver, para, no momento do encantamento, as fixarmos, as integrarmos em nós, nos apoderarmos delas e assim também partilhar da sua essência. Neste momento, um pássaro é apenas um pássaro, e o único encanto é este lume que me aquece e o silêncio que me permite escrever. Se coisas bonitas existem, neste momento só identifico as forças da natureza, uma rajada de vento, uma chuva que inunda, uma onda que leva tudo com a sua força. E para que serve tudo isso quando os olhos se fecham e os ouvidos se cerram e o nariz se abstrai?
É preciso encher as coisas de sentido, como uma criança que simula um acidente com dois carrinhos de plástico. É preciso fazer as rodas rodar para chegar a algum lado. Basta-me de encantamento. Quero fazer parte deste cenário falante, abrir o peito, colar o estômago à boca e dar-lhe a palavra. O que farei daqui a dez, vinte anos? Que palavras restarão? Que paraísos ainda haverá para me encantar? Que oceanos para remar?
É muito fácil apaixonarmo-nos por adjectivos, mas eu hoje quero nomes, quero verbos, quero exclamações. Que seria do Alberto Caeiro sem o Álvaro? Para que serve a essência se não consegues deitar-lhe a mão, amarfanhá-la com força e moldá-la à tua forma? Fogo, vento, terra e água. E a gente? Onde é que a gente fica?
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