segunda-feira, 12 de maio de 2014
Planar
Neste final de tarde cujas cores convidam à melancolia, olho para o céu e vejo-te seguro, a planar, sem um bater de asas, assim minutos a fio, atento. E era assim que gostava de estar hoje, no céu, imóvel, a deixar-me levar pelas massas de ar quente e ar frio e, se não fosse pedir muito, que esse ar me entrasse pelo cérebro e o levasse para longe, no céu, vazia, a planar sem qualquer objectivo. Enquanto penso isto, do meu lado direito, um par de andorinhas pousadas no beiral ensaiam passos de amor, enquanto comem os insectos que desgraçados lhes caem no caminho dos bicos, máquinas automatizadas de alimentar crias. Ela olha para o lado, engole um insecto, coça o peito e ele aproveita essa distracção de um centésimo de segundo e voa-lhe para cima com grande alarido. As andorinhas não planam como um falcão. Ambos lutam pela sobrevivência, mas hoje uns tentam procriar e os outros procuram um qualquer bicho distraído que seja o jantar. Eu revejo-me em todos. Há dias que até desconfio que as galinhas são mais inteligentes do que eu e que este meu modo de ver só prejudica, um fardo que custa carregar e me impede de planar quando desejo.
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