terça-feira, 20 de maio de 2014

As águas de Maio

Nem a chuva deu o ar da sua graça. Caiu, timidamente, não o suficiente para regar as árvores ou as couves chinesas que crescem nos antípodas. Nem o carro lavou, nada. E eu que hoje só me apetecia diluviar, deixar-me ir na lassidão da tarde extemporânea, tirar a roupa e as conformidades e deixar-me levar, lavar. Hoje é um dia importante no calendário. Não porque chove ou alguém faz anos, mas por uma razão tão prosaica como ter decidido excluir uma palavra do meu dicionário. A palavra é urgência. Olho pela janela e os únicos que parecem ter urgência são sempre os mesmos: os coelhos que fogem, os ratos que temem pela vida ao olho do falcão, o cão que tem fome, o menino a quem lhe dói a barriga. Isso são urgências, emergências. Nunca mais me dirão: faz, é urgente. Nada é urgente quando não há tempo delimitado e hoje um dos meus calendários fechou-se. Não me venham com urgências e exigências, não abusem da palavra ao desbarato. Uma urgência é um caso de vida ou de morte. Sejam mais literais. Da próxima vez que ouvir: é urgente, replicarei com apenas os coelhos, os ratos, os meninos e os velhos têm urgência. Nós temos tempo. Todo o tempo do mundo para fazermos aquilo que fazemos da melhor forma que o sabemos. E agora, vou ver se chove.

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