domingo, 27 de setembro de 2015

Ela disse: "vou ali comprar tabaco, aproveito e deixo o lixo no caixote, apanho um bocado de ar fresco e isto passa". Mas estava a relativizar apenas para não dar importância àquilo que, de facto, nenhuma importância tem, e são chamados "os estados de alma".
Abandonou o jardim e fechou o portão. Olhou para trás. Havia uma casa com uma chaminé quase fumegante e a luz, lusco-fusco, dava para perceber que nas paredes havia estantes com livros e um vulto passava entre as divisões.
Encaminhou-se para a serra. A estrada batida apenas se sentia nos sapatos desadequados. Andou com os ouvidos despertos, a lua, gigante, a acompanhá-la. Uma brisa que já enregelava a cara e a ponta do nariz. Ouvia-se a coruja, lá longe, e muitas vezes se voltou para perceber se os sons que vinham das silvas a mover-se seriam algum animal perdido, como ela. Procurava uma clareira onde, finalmente, pudesse sentar-se, pinheiros em volta e a luz da lua e o seu silêncio complacente.
Ali, sentada num troco, havia de fechar os olhos. Quase se ouvia respirar. As noites continuam a ser longas e as clareiras inabitadas são precariamente seguras. O precário na noite é tudo o que temos.
Há anos que tinha este hábito de fugir de casa à noite, quando tudo é respiração, e lá longe se ouve um cão a uivar ou uma escaramuça de gatos. As casas habitadas estão cheias de demónios que impedem o sono de se aquietar.
Levava a almofada para a praia, para o campo da bola, para qualquer local amplo e sem vestígios da presença humana. Aí, embalada pela lua e pelos sons da noite, deixava que a natureza fizesse aquilo que lhe fazia tão bem, embalá-la, acalmá-la, abraçá-la num sono leve, mas que, ao contrário de tudo o resto, tinha existência de facto.

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