segunda-feira, 25 de maio de 2015

Piggy

De cada vez que olho para os pequenos felizes a chapinhar na água, lembro-me de ti com realismo. Naquele tempo em que uma maré vaza significava quilómetros para uma criança alcançar a água e havia pequenos lagos cheios de crianças nos quais preferíamos que não me banhasse. A água está choca. Iamos, assim, até à beira-mar, onde a água enrijece os músculos, de mãos dadas. Tu num casaco de fato de treino que hoje estaria na moda, mais de cinquenta anos a separar-nos, meu lobo do mar de pele e osso. Estacavas as pernas secas na água, canelas cheias do negrume do sol, calças arregaçadas - mal - e eu prendia-me a esses mastros, um de cada vez, e deixava-me ir ao sabor da corrente. Onda que vem, corpo a baloiçar para a praia, onda que vai, corpo a fugir para o mar alto. Podíamos ficar horas assim. Tu embevecido com um avanço meu, a medo, eu segura a ti, como sempre estive. Trinta anos depois de ter percebido que já só eras um fato branco pendurado no roupeiro, descontextualizado, sozinho, continuo a ter-te como o meu pilar, onde recorro  quando a maré está brava, e onde sorrio quando me deixo simplesmente levar pela água.